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sexta-feira, 6 de junho de 2014

E as pedras rolaram

           Riscos além da nossa própria imaginação



Era junho de 2004, eu havia completado vinte e dois anos, acho que quanto mais o tempo passava, mais eu estava me conformando com o que as drogas estavam fazendo comigo. É um processo lento e imperceptível (para o dependente químico), que pode levar anos ou apenas alguns meses, mas o fato é que aos poucos vamos nos moldando conforme a doença progride. E a única forma de se convencer de que destruir-se lentamente é uma escolha consciente é através da ilusão, da negação, do auto-engano, da prepotência e da arrogância. E foi  exatamente assim que eu passei a agir, avesso à realidade.

   Como se não fosse o bastante o que eu já andava aprontando, ainda fiz por onde piorar mais ainda minha situação naquele lugar. Numa certa noite, como de costume, eu e meu pai saímos para beber, e como sempre na hora de parar eu me neguei, pra mim não tinha a menor graça  parar de beber antes de começar a cambalear e filosofar asneiras. Me lembro que nesse dia meu pai estava contente com o resultado do trabalho da semana, por isso não se importou em me deixar lá bebendo até mais tarde e foi embora.

   Fiquei no mesmo bar um tempo e logo fui dar uma volta atrás de drogas, perguntei pra um e pra outro, ninguém sabia de nada. Então lembrei da pista de skate que ficava nas proximidades e fui até lá, sabia que  seria possível achar pelo menos maconha com os skatistas. Chegando lá encontrei apenas um cara sentado fumando um cigarro, me aproximei, cumprimentei-o e fui logo ao assunto. Perguntei-lhe se sabia onde eu pudesse comprar cocaína, ele disse que por ali estava em falta, que nas redondezas era mais fácil achar maconha. Bingo! Como eu suspeitava.

   Não fiquei tão feliz assim como ficaria se a droga mais fácil de encontrar fosse outra mas, tudo bem, disse eu, convidando-o a irmos buscar a erva fumar comigo. O carinha até que era gente boa, tínhamos o mesmo gosto musical em comum, por isso, assunto não nos faltou. No meio do caminho, para onde compraríamos a erva, resolvemos comprar um a bebida para esquentar um pouco, pois era  madrugada e fazia um frio de rachar. Paramos em um barzinho, compramos uma garrafa de conhaque e seguimos bebendo no gargalo pela rua como eu adorava fazer, me sentia o próprio Jim.

    Achamos o que fomos buscar e voltamos para a pista de skate, ficando por lá até uma certa hora. Em um determinado momento eu disse a  meu novo amigo que estava com fome e, perguntei o que ele achava de dividirmos uma  pizza, ele concordou e então partimos em busca de uma pizzaria que estivesse aberta. Não encontramos nenhuma por onde procuramos, foi quando me lembrei que havia uma perto de onde eu morava e que funcionava 24  horas. Fomos até lá, compramos nossa pizza e eu o convidei para irmos até a minha casa (que era também a oficina) para comermos a pizza lá.

   Foi ai que a confusão teve inicio, após a gente comer a pizza  meu coleguinha simplesmente apagou no sofá onde eu dormia, o cara pegou num sono tão pesado que eu não consegui acordá-lo. Puto da vida, peguei a garrafa de conhaque, entrei em um carro que estava lá dentro, liguei o som e fiquei lá, bebendo e pensando no que eu ia falar para meu pai, quando ele acordasse e encontrasse um sujeito que ele nunca viu dormindo na casa dele. Só que infelizmente, meu pai não teria nem tempo de dormir até de manhã para ter problemas, tudo por que eu matei a garrafa de conhaque, saí para comprar mais cerveja, voltei, bebi todas as cervejas para então, ter a ideia mais estúpida do mundo; "pegar um carro e sair sem rumo".
    
  O que fiz naquele dia foi uma das maiores insanidades que cometi até hoje, sem pensar nas consequências comecei a executar um plano pra sair com um carro às tantas da madrugada, e que é pior, o único carro que dava para eu pegar, era o que estava de frente para o portão, pois para tirar qualquer outro eu teria que tirar aquele primeiro. E esse carro não era de cliente da oficina, era um dos carros que passavam a noite no estacionamento. Estava completamente embriagado,  mas me lembro de quase tudo, sabia que não poderia fazer nenhum barulho, por que a senhora dona da casa tinha um sono bastante leve. Pé por pé, fui até onde ficavam as chaves e peguei a correspondente ao carro que estava de frente pra saída.

   Era hora de ver no que ia dar, fui até o quarto onde meu pai dormia, peguei uma grana dele, passei no salão onde o babaquinha tinha apagado pra ver se ele acordara , como ainda estava dormindo eu teria de ir sozinho mesmo. E lá fui eu, como sabia que o portão faria barulho ao soltar as correntes, primeiro abri o carro pondo a chave no contato e deixando a porta entreaberta, onde o carro estava era uma decida, então numa velocidade incrível eu abri o portão fazendo um barulho enorme e, quando eu entrava no carro o filho da velha apareceu na janela, ele não imaginava o que estava, mas soube depois do que me viu fazer.

  Com o portão aberto eu entrei no carro, soltei o freio de mão deixando o carro descer com tudo para o meio da rua, somente depois dei partida e saí cantando pneus. Só me lembro de ouvir o cara gritando da janela; "O que é que você está fazendo? onde você vai com esse carro?  Já era tarde, sai a mil por hora por que achei que ele viria atrás de mim. O pior foi que quando foram acordar meu pai dizendo que eu tinha saído com um carro do estacionamento, ele foi até onde eu dormia e viu o cara deitado lá e achou que era eu. Ai ele voltou até lá fora e disse que devia ter sido um ladão por que eu estava dormindo.

  Mas o filho da velha disse que tinha certeza de que havia sido eu, eles então começaram a discutir, meu dizendo que não era possível pois eu estava dormindo, o cara insistindo que tinha certeza que era eu, virou uma confusão só. Meu pai então não teve outra opção a não ser me acordar para todos verem que eu estava lá. Foi aí que ninguém entendeu mais nada, quando meu pai acendeu a luz e se aproximou do sofá quase caiu pra trás,  Havia realmente alguém lá, mas aquele não era o filho dele. O pior foi que nem o próprio cara que tinha dormido lá sabia dizer o que estava fazendo ali, muito menos o que tinha acontecido em relação ao carro. O imbecil nem sequer se lembrava do meu nome.

   Botaram ele pra correr de lá debaixo de tapas, até hoje esse cara deve me odiar pelo que eu fiz ele passar. Tudo isso que aconteceu, depois que fugi com o carro, meu pai me contou quando eu voltei lá, obrigado, para pedir desculpas pelo que fiz. Mas até eu ser encontrado, ou melhor, até o carro ser encontrado o clima ficou tenso por lá. Eu rodei ate de manhã com o carro, estourei o pneu e bati com ele várias vezes. Mas o pior de tudo ainda seria ter pego o carro sem permissão, se eu não o tivesse abandonado sem saber dizer aonde depois.

    
   Enquanto isso...



 Olá queridos amigos! Como vão todos? Enfim sexta-feira! É, eu costumava dizer com a maior euforia na época da ativa, e hoje me vejo dizendo isso, nem tão eufórico, mas super animado pois tenho vários motivos para estar feliz com o dia de hoje.


  Primeiro que meu amor está subindo a serra hoje depois de uma semana longe um do outro, para comemorarmos  juntos esse mês de superações, tanto da minha parte, pois faço trinta dias limpo amanhã, quanto da parte dela que está se livrando de sua co-dependência aos poucos.


  Me deixar sozinho por um dia já era uma tortura para ela, imagina então uma semana. E ela vem se mostrando valente e confiante pois tem conseguido não ligar mais, de meia em meia hora. E eu por minha vez, faço exatamente tudo conforme combinamos antes de ela descer para o Rio no início da semana. 


   Assim estamos tirando a minha adicção do nosso caminho de uma vez. Restabelecer a confiança é um processo lento e delicado, isso em casos comuns, no caso de voltar a confiar em um adicto o tempo tende a triplicar. E pelo que posso perceber, pode levar anos até ela se sentir confiante novamente, mas nada como um dia após.


   O importante é que ultimamente, no final de cada dia, tudo termina bem, quando nos despedimos a noite para dormir o  que sentimos é que, de só por hoje em só por hoje não sofreremos nunca mais, podemos deitar nossa cabeças no travesseiro e dormir em paz.


  Domingo eu faço trinta e dois anos de idade, e dessa vez eu tenho o que comemorar, estou sentindo-me livre pela primeira vez depois de ter tomado aquela primeira dose lá no início. Liberdade pra mim já foi poder fazer o que eu queria e quando queria. Hoje percebi que liberdade não se alcança sem o minimo de disciplina e comprometimento.


  Quem só faz aquilo que deseja é prisioneiro do egoísmo, do medo de descobrir que não sabe tudo, da falta de coragem para correr riscos, da falta de autenticidade, de que descubram suas fraquezas, da falta de sonhos. 


  Quem só faz aquilo que quer e quando quer, não consegue sair do mesmo lugar por que, tudo de bom que acontece em nossas vidas só acontece no seu tempo certo, não podemos fazer com que elas aconteçam no quando sentimoS vontade. 


  Apenas se eu escolher o caminho que leva até meus sonhos, meus sonhos virão até a mim. E nesse caminho preciso fazer apenas aquilo de que necessitam meus sonhos, suas vontades, assim eles se entregarão a mim.

  

   E é exatamente caminhar na direção dos meus sonhos que me faz sentir-me livre, nada me satisfaz mais do que poder enxergar a aproximação de um sonho em cada passo que dou, em cada escolha que faço, não sou mais cego por satisfações imediatas.


  Obrigado a todos! Mais um dia livre , limpo e sereno!



















2 comentários:

  1. Parabéns,tenho acompanhado se blog,desde que vi seu comentário no blog da Poly,como e bom saber que vc esta firme no seu proposito de se manter limpo,muito bom mesmo,continue firme,que Deus te ajude em todos os momentos,força,fé,vc vai vencer.Joseane.

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  2. Oi Heleno. Bah, tenho que te dizer, essa sua história seria até engraçada se não fosse trágica. Eu tenho uma imaginação muito fértil e consigo imaginar toda a cena. Me peguei rindo aqui enquanto lia, porque é incrível o que vocês fazem sob o efeito das drogas, seja alcool, maconha, cocaína, o que for.
    Fico muito feliz por você, de verdade, pela sua força de vontade, e pela sua namorada também. Que Deus continue abençoando vocês nesse caminho. Só por hoje!
    Abraço!

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