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sábado, 31 de maio de 2014

Regressão Progressiva

            


         1 dose é pouco, 1.000 não bastam


Aquele foi realmente o ano em que perdi completamente o rumo da minha vida. Tudo parecia não existir mais, apenas a droga. Nada era real, nem mesmo eu, pelo menos em minha mente.

        Já não sabia mais quem eu era fazia tempo, então passei a ser um personagem da vida real no mundo ilusório das drogas. Não tinha mais personalidade, opinião, ou ideais como, ainda que  pouco, tinha na minha adolescência.  

        Completamente influenciável, concordava com qualquer pessoa que passasse seu ponto de vista da vida, e assim, tomava aquilo como verdade. Até que ouvisse uma outra opinião diferente daquela, e então, tomava esta passa mim.

É doloroso demais lembrar do processo da minha alma se esvaziando aos poucos, papelote após papelote, garrafa após garrafa, dia após dia. Eu era muito jovem e ao invés de conhecer a vida e evoluir, eu regredia progressivamente, perdendo contato com tudo que era da minha natureza.
Continuei na loucura de trabalhar naquele galpão, com um único desejo e motivo que me fazia levantar todas as manhãs, era a forma garantida de usar cocaína, ir trabalhar.

Sem moral nenhuma, onde quer que eu fosse, continuei como se aquilo não tivesse mais como ficar pior. A solidão e o desespero me levavam a perder cada vez mais o contato com a realidade. Meu único conforto e refúgio passou a ser, viver numa realidade que só existia na minha cabeça, minha companheira inseparável, ilusão.

Contudo, a vida ia mesmo de mal a pior, e eu não podia perceber, mas a minha condição me levava a agir tomado pela revolta de não poder ser quem eu queria ser. Cada vez mais, atitudes desprovidas de virtude caracterizavam a minha personalidade.

E é óbvio, toda ação, tem uma reação. Não tinha como meu futuro não me reservar, o que me reservou. Abandonei família, amigos, sonhos, a vida, abandonei a mim mesmo. E o que é pior, o sofrimento estava apenas começando.
        
No final de 2003 eu tinha feito um inferno naquele galpão, nem mesmo os outros funcionários, que eram tão adictos quanto eu, me suportavam mais, por conta da irresponsabilidade e do mal caratismo que me dominavam.


Passei a beber cachaça(porque era barato e eu nunca tinha dinheiro) logo de manhã para entrar no trabalho, pois já não conseguia encarar aquilo, nem por um minuto, de cara limpa.

Como todo dinheiro iam para as drogas, quase não ia mais para casa, porque todo o dinheiro, incluía também o da passagem de ônibus. Passei então a pular o muro do galpão, de madrugada para dormir dentro das lanchas.

Sem saber, estava abrindo portas para praticar atos ainda piores, ou simplesmente em maior proporção. Foi numa dessas noites em que eu resolvi dormir no galpão, que eu perdi totalmente o controle sobre a compulsão, a noção de limite, e consequentemente o direito de morar onde eu morava.

Era uma madrugada de sábado, como sempre, após consumir todo o meu dinheiro em drogas, fui dormir no galpão. Mas nesse dia, estava muito fissurado e tomei a trágica decisão de entrar pela janela, na parte onde ficavam as ferramentas, e pegar alguma coisa para vender. E assim o fiz, peguei uma pequena máquina e fui para a favela vender. Vendida a ferramenta(a preço de banana, é claro) o que consegui não durou muito, e eu logo estava fissurado novamente.

Foi ai que fiz minha primeira loucura motivado pela compulsão. Retornei ao galpão, só que dessa vez eu não pretendia mais trabalhar lá, e o resultado, foi uma grande insanidade. Ao entrar novamente no galpão, peguei uma mochila que encontrei jogada, e juntei todas as máquinas mais caras que haviam lá.
       
 Passei cinco dias vendendo as máquinas e usando drogas, sem dar notícias em casa, até porque eu sabia que a coisa ficaria feia para o meu lado. E realmente ficou, o meu patrão estava me procurando por todos os lugares. Tinha ligado para a minha casa, e dito para a minha mãe que eu iria para a cadeia, pois a empresa dele estava parada, após o filho dela ter roubado todas as ferramentas de lá.
Este foi o desfecho do meu trágico retorno aquele galpão, depois disso minha vida seria uma constante incerteza, com saídas cada vez mais estreitas.





              Enquanto isso...

  Olá queridos amigos! Como eu anunciei anteriormente decidi compartilhar um pouco do que estou vivendo atualmente. Inicialmente eu pretendia deixar isso para depois que eu acabasse de contar toda a minha história, só que essa viajem ao passado esta me trazendo mais lembranças do que eu imaginava que pudesse ter. Com isso notei que ainda teremos muitas postagens desse relato, uma vez que ainda restam onze anos para serem escritos nessas páginas.

 Então, atualmente como é comum dizer no meio de recuperação, estou vivendo um dia de cada vez, procurando não me afastar dessa atmosfera que criei para me proteger de uma sempre possível recaída. Eu e minha namorada até um mês e meio atrás morávamos no bairro do Jardim Botânico, zona sul do Rio. Morávamos por que? Ainda estamos juntos, só que depois que sai da minha última internação e voltar pra casa tive uma recaída e não estava conseguindo ficar limpo por mais de dois ou três dias.

  No tempo que fiquei internado conheci uma grande pessoa, que trabalhou por um tempo na clínica eu que eu fiquei. Seu nome é Rodrigo e ele é psicólogo, entre tantas conversas que tivemos um dia ele me falou sobre um lugar que ele tinha visitado, onde eu poderia ter uma experiência positiva na busca de me livrar das drogas. O lugar é um centro religioso que fica em Teresópolis, região serrana do Rio de janeiro.

  Então foi quando, pós ter recaído resolvi conhecer essa igreja e, simplesmente adorei, tanto o centro religioso quanto a cidade. Mas isso não foi suficiente para eu parar de usar, continuei recaído por algumas semanas até que, quando vimos que alguma atitude teria que ser tomada e rápido, se não eu iria me matar( mais tarde vocês saberão por que) dentro dos próximos dias, resolvemos procurar um lugar pra eu ficar longe da cidade do Rio de Janeiro.

  Lembramos que tínhamos amado Teresópolis e resolvemos alugar um conjugado aqui, pois é onde eu me encontro morando atualmente a um mês e meio. Foi uma fuga geográfica? Foi, só que com uma diferença das outras tentativas de ficar limpo, desta vez eu tomei uma decisão, fiz a escolha que eu nunca tinha feito; assumir a responsabilidade pela minha recuperação. Agora eu não escolho mais como quero me recuperar, simplesmente faço tudo que tenho que fazer, até o que eu não gosto de fazer ou, pelo menos não gostava.

  Essa é a minha realidade atual, respirar recuperação é meu novo lema, um dia de cada vez focado apenas no passo que estou dando nesse momento. Aos poucos o que parecia impossível vem se tornando possível, não sinto mais o desejo de usar drogas e, o que é tão bom quanto isso, estou encontrando uma nova maneira de viver. Obrigado a todos!

quarta-feira, 28 de maio de 2014

a descida pelo poço

                Não há o que a droga não tire de você
                                         (2003)
  
    Naquele ano, acredito ter sido quando a cocaína me roubou o que faria dela soberana em minha vida, minha dignidade, minha honestidade e meu caráter. Já não importava mais o que as pessoas pensariam a meu respeito, já não respeitava mais ninguém e já não esperava mais nada da vida. Sem perceber me tornei uma máquina de usar drogas que passava por cima de tudo e de todos que se pusessem no meu caminho, sem medo, sem vida e sem amor.

   Voltar a trabalhar naquele galpão me custou tudo isso e mais um pouco, pois até as poucas pessoas boas que ainda me restavam perder foram se afastando, uma após a outra. Hoje sei que na verdade quem se afastou foi eu, mas na época, a confusão mental que a droga causava, me fazia acreditar que elas não eram tão boas assim, pois se tinham me abandonado era por que nunca gostaram realmente de mim. Então, solitário e desorientado me tornei uma marionete nas garras da cocaína.

   Esse foi sem dúvida o primeiro ano de sofrimento causado pela droga que eu já tinha vivido.Até a fase em que eu quase morri no tráfico parecia ter sido menos dolorosa. Não tinha mais vontade de parar, estava cego, obstinado, tinha que usar a qualquer custo e isso, mal sabia eu, não teria limites. Passei por muitos momentos de perigo dentro de bocas de fumo, chegava a passar três, quatro noites direto no interior de uma favela, cheirando e perambulando pelos becos completamente alucinado.

   No meio do ano, mais ou menos em julho ou agosto, conheci uma garota, que morava perto da minha casa e comecei a sair com ela, após algumas semanas estávamos namorando. Foi uma tentativa minha de diminuir o uso, por que eu estava sofrendo, mais nem pensava em parar, eu acreditava que namorando eu conseguiria manter o controle sobre a droga. Mera ilusão, nunca aparecia na casa dela quando marcava e quando ia era pra dormir. Nunca tinha dinheiro para sair com ela, sem presentes, sem flores, sem nada.

  Ainda assim ela quis ficar comigo, mesmo quando todos sabiam o que eu fazia, inclusiva ela própria,e eu, 
como não tinha nada a perder continuei fingindo que nem era comigo. Esse "namoro" ainda duraria tempo suficiente para eu cometer a irresponsabilidade de por uma criança no mundo, sabendo que não tinha condições de cuidar nem de mim e sem amar aquela mulher. Mas isso só aconteceria três anos depois, nesse meio tempo, ficamos mais de um ano separados, pois no fim desse ano eu aprontaria uma boa.
  
   Lá no galpão a situação continuava a mesma, eu nunca tinha dinheiro pra receber no fim do mês, muitas vezes já estava até devendo ao patrão de tantos vales que eu pegava durante a semana. Mas teve uma época em que ele não quis mais me dar vales, pois sempre que dava eu não ia trabalhar no dia seguinte. Isso foi o fator predominante para eu começar a fazer cagadas como vender pequenas ferramenta e objetos da fábrica. No começo eu achava que aquilo não me traria nenhum problema, pois era tanta gente trabalhando no mesmo lugar que se dessem falta de algo não teriam como me acusar de nada.

  Com o passar do tempo eu me habituei a cometer pequenos furtos, se tornou uma coisa natural pra mim, já fazia por hábito mesmo. Até que um dia, eu peguei uma furadeira e fui pra favela vender, quando de repente
um funcionário da fábrica que morava lá me viu oferecendo a máquina. Ele veio até a mim e perguntou onde eu tinha arrumado aquilo e eu disse que um viciado tinha me pedido para vender e que dividiria o dinheiro comigo. Claro que ele não caiu nessa e no dia seguinte meu patrão já estava sabendo.

  Ao contrário do que eu pensava ele só me disse que descontaria do meu salário e, que se eu fizesse isso novamente ele me mataria. No começo eu até fiquei com medo, mas logo logo voltaria a roubar novamente, 
sempre na parte da tarde, quando já tinha tomado um monte de cachaça e a fissura batia forte. Contudo não demoraria muito para eu cometer minha primeira burrada(após ter experimentado drogas é claro) que me custaria caro, melhor dizendo, que me obrigaria a fugir pra não morrer ou coisa assim.

  

terça-feira, 27 de maio de 2014

De mocinho a vilão

                            
                         Enfim, a completa escuridão
                                                                    (2002/2003)

    No começo de 2002 eu ainda era, pelo menos para meus pais, um garoto que só precisava ter mais responsabilidade. Eu havia passado de ano no colégio, não sei como, só que não quis mais continuar estudando, não tinha mais espaço para estudos dentro da loucura que eu estava vivendo. Ainda mais nesse novo emprego onde todos consumiam drogas antes, durante e depois do expediente.

    Era uma loucura só aquele galpão, a começar pelo dono, um cara desequilibrado e insano que roubava qualquer coisa que estivesse dando bobeira, onde quer que fosse. Quando eu digo qualquer coisa, é qualquer coisa mesmo. Um dia eu estava com ela em uma padaria e sem que eu menos esperasse ele enfiou um pacote de biscoito no bolso, pagou a conta e fomos embora.

    Eu achava aquilo tão estranho que preferia fazer de conta que não via, pra mim ele era muito doente, pois o biscoito ficou em cima da mesa por semanas até estragar. Eu sabia quando ele tinha usado alguma coisa quando ele chegava da rua e varria o galpão inteiro. Os
outros funcionários não ficavam pra trás, a cachaça rolava o dia inteiro, e como eu era novo lá
e eles não sabiam nada da minha vida, cheiravam cocaína escondido para que eu não visse.

    Mas não demorou muito para que eu me abrisse com eles a fim de poder usar drogas durante o trabalho também, e para o meu azar eles concordaram. A partir dai que comecei oficialmente minha auto-destruição,
até cachaça pura, que eu achava um absurdo alguém beber, passei a consumir consumir com a maior naturalidade. Já não sabia mais quem eu era, havia perdido minha identidade.

    O tempo foi passando e eu fui de mal a pior, não comprava mais nem um par de meias pra mim, meu  dinheiro era única e exclusivamente para a cocaína. Não ia mais pra casa nas sextas-feiras, e muitas vezes
só aparecia no domingo de manhã, sem mais nenhum centavo no bolso, todo sujo, parecendo um zumbi. Mas infelizmente eu estava longe de aceitar que estava com um problema sério, sempre dizendo para mim
mesmo que iria dar um tempo, ou que ia ficar mais devagar, só que na prática acontecia o inverso.

   Por algumas vezes eu cheguei a sair do emprego por que a situação estava insustentável tanto em casa como no próprio trabalho, eu não tinha mais desculpas para dar em casa sobre as várias noites fora de casa e o dinheiro que nunca aparecia, nem tinha mais forças para trabalhar. As sucessivas noites sem dormir me me exauriam toda energia  impedindo-me de produzir, causando muitos problemas com meu patrão louco.

  Em outubro eu sai definitivamente de lá, não havia mais condições, todos estavam cansados de minhas mentiras e promessas vazias. Meu patrão, que já sabia de tudo resolveu piorar ainda mais a minha situação,
ligando para minha mãe e contanto que eu estava viciado em cocaína e, eu é claro, neguei tudo. Não havia como esconder meu vício, eu havia trabalhado quase um ano inteiro e não tinha nada, apenas um corpo sem
alma e um rosto desfigurado.

  Passei três meses em casa me recuperando, mas sempre que pintava algum dinheiro, ou eu bebia até cair ou comprava cocaína. No início de 2003, mais precisamente no fim de fevereiro, recebi uma ligação do maluco do meu ex-patrão dizendo que eu estava fazendo falta para ele, que havia se arrependido de ter me deixado ir e que gostaria que voltasse a trabalhar com ele de novo. Confesso que tentei dizer não, pois eu já sabia no que isso ia dar, mas por outro lado a vontade de ter dinheiro para usar, falou mais alto e eu aceitei.

 Desta vez, tanto eu quanto ele, iriamos nos arrepender amargamente de não ter acreditado que poderia ser 
pior do que havia sido da primeira vez. Nem preciso falar que a minha compulsão retornou dez vezes mais forte que antes e, já na primeira semana só apareci em casa no domingo de manhã. Esse seria o ano que eu
perderia quase todos os meus princípios e valores, me envolveria erradamente com a pessoa com quem mais tarde,  teria um filho feito sem amor e acabaria foragido do Rio de Janeiro.




segunda-feira, 26 de maio de 2014

a doença do ainda










    A mesma história, apenas outro personagem
                                     (2001/2002)
     Passada a fase da criminalidade veio uma época melhor no sentido de viver sem risco de morte iminente, mas ainda não sabia como me divertir sem drogas, o que inclui o álcool. Sempre gostei muito de rock'in roll
e nessa época passei a viver ao estilo drogas e rock'in roll, então me tornei ainda mais alienado, as mesmas
músicas, pessoas,drogas e lugares de sempre.

Trabalhando nessa oficina em Nova Iguaçu, aprendi a profissão que me ajudou unicamente a manter meu vício até hoje, me especializei em pintura de automóveis o que me rendia uma boa grana. E também nessa época peguei o hábito de beber religiosamente ao final do expediente, sempre na companhia dos colegas de trabalho.

Eu estava estudando, fazia o primeiro ano do segundo grau e até hoje eu não sei como eu conseguia
frequentar as aulas, pois estava sempre sob efeito de álcool ou maconha.Nessa época eu ainda conseguia controlar o uso de cocaína, normalmente usava aos finais de semana até por que eu recebia por mês e só pegava vale de quinze em quinze dias, mais tarde eu me tornaria mestre em desculpas para vales diários.

Era ano de 2001, nessa época eu me lembro de sentir vontade de mudar de vida, ainda não estava completamente obcecado pela droga e tentei por várias vezes parar de usar, pena não ter pedido ajuda enquanto era cedo, eu estava incomodado com o que as drogas estavam fazendo eu me tornar, só não imaginava que ela ainda iria me humilhar de todas as formas e me colocar sozinho nas ruas.

Nesse ano tive ainda uma outra experiência terrível por conta das drogas e que envolveu a polícia. Certo dia após sair do trabalho mais cedo resolvi passar na boca de fumo e comprar maconha. Lá, comprei o que queria e quando estava saindo do local fui parado pela polícia, que já sabiam de onde eu estava vindo.

Ainda tive tempo de dispensar o flagrante, só que eles não se deram por satisfeitos com o que eu contei que fazia ali e me enfiaram algemado na viatura me levando para uma usina de reciclagem de lixo desativada que ficava em um local deserto lá pelas redondezas. Dessa vez eles não me encostaram um dedo, entretanto
não foi nada legal o que fizeram, pois como sempre queriam informações sobre o tráfico e nada mais.

Como eu já havia deixado claro que não falaria nada por que não sabia de nada, um dos policiais foi até a mala da viatura e pegou um revólver velho e veio na minha direção com ele, chegando perto ele me disse que só perguntaria mais uma vez e caso eu não colaborasse com eles eu não teria nem como me arrepender.
Como eu não falei nada ele apontou a arma para o meu peito e apertou o gatilho, mas a arma não disparou.

Eu sai de mim por alguns segundos mas voltei rapidamente quando ouvi ele dizer que o primeiro falhou mas o segundo não iria falhar. Eu estava em estado de choque e não conseguia falar, foi quando ele novamente apontou a arma, e como se fosse bater com o cano na minha cara fez o disparo desviando do meu rosto por alguns centímetros me deixando completamente surdo.

Apavorado decidi contar a eles que eu havia dispensado a maconha, então retornaram comigo para buscar
a droga. Quando encontraram a erva vieram até a mim e me perguntaram se meus pais sabiam que eu usava drogas, eu disse que não, e eles disseram que então hoje eles ficariam sabendo. Eu não tinha o que fazer então levei eles até minha casa e para o meu azar meu pai estava lá.

Foi aquele rebuliço, com a viatura parada na minha porta todos os vizinhos vieram saber o que estava acontecendo, por que eu ainda estava algemado no banco de trás. Meu pai antes de falar qualquer coisa mandou eles me tirarem as algemas por que ele podia não saber o que eu fizera, mas sabia que eu não era
bandido. E ai após uma breve conversa eles foram embora me mandando tomar juízo. Só depois meu pai me contou que eles pediram 500 reais para não me levar para a delegacia para assinar como usuário.

A reação de meu pai não foi nem um pouco daquilo que eu esperava, ele simplesmente me deu uma bronca por andar em locais de risco, isso por que? Como um bom adicto eu inventei uma história cabeluda.
Disse que estava entrando na rua da casa de um amigo, e que  ficava próxima a boca de fumo, quando os policiais me pararam e como eu não tinha nada comigo eles forjaram um flagrante para tirar dinheiro dele.

E como se nada tivesse acontecido, meus pais nunca mais tocaram nesse assunto e eu não me preocupei
com o fato de ter sujado a minha imagem nem de ter decepcionado meus pais, nem tampouco deixei de frequentar a boca por causa disso. Acho que de certa forma aquilo contribuiu para a progressão da minha dependência química, pois eu havia perdido a vergonha e o  medo de que as pessoas descobrissem.

Segui em frente tentando levar uma vida normal, porém cada vez mais compulsivo e obsessivo no uso de drogas. No final desse ano a oficina em que eu trabalhava faliu e eu fiquei sem trabalhar até o começo do ano seguinte quando um cara que eu havia conhecido no ano anterior me chamou para trabalhar com ele em uma fábrica de lanchas da qual ele era dono que ficava na Cidade Alta, bairro de Cordovil, zona norte.

2002 foi o ano em que a adicção se implantou de vez, passei a usar nos dias de semana e até dentro do
trabalho. O galpão em que eu trabalhava ficava entre duas favelas muito violentas, uma era a Cidade Alta e a outra que ficava do outro lado da avenida Brasil era Parada de Lucas, esse foi fator determinante pra que eu perdesse de vez o controle sobre a droga e começasse a praticar furtos.



sábado, 24 de maio de 2014

Juventude desperdiçada

 Todos os meus sonhos se transformaram em pó
                                    (1999/2000/2001)           
      No final de 1999 eu ainda era um garoto um pouco normal, meus pais resolveram morar juntos outra vez e alugaram uma casa em Areia Branca, bairro de Belford Roxo, baixada  fluminense. Eu gostei disso pois pude ter uma família novamente, e também gostava do lugar onde morávamos, fiz até alguns amigos legais que inclusive não usavam drogas. Após algum tempo meu avô disse que queria dar uma casa para minha mãe e assim o fez, sendo que ele mesmo escolheu por conta própria onde compraria a casa.
    E o resultado disso não poderia ser pior, fomos morar em um bairro horrível chamado, talvez por pura ironia, de Bela Vista. Era uma favela com ruas de terra e lixo pra todo lado e a casa também não valia muita coisa. Eu odiei aquele lugar desde o primeiro dia e já no primeiro descobri onde era a boca de fumo e cheirei a noite inteira. Rapidamente conheci todos os vagabundos da área e passei a andar com eles o tempo
todo, eram bandidos de verdade e eu comecei a gostar daquela vida. 
    Em pouco tempo eu já estava envolvido com o tráfico, portando arma de fogo, vendendo drogas na boca de fumo e participando de todas as atividades do crime local. Estava mais do que perdido e correndo um grande risco de vida, todos os dias eu fazia a mesma coisa, acordava, tomava café, ia para o ponto de venda e lá passava todo o dia. Por inúmeras vezes passei perto de ser preso ou até mesmo morrer, mas ao invés de ficar com medo e sair fora eu acha aquilo demais, me sentia o verdadeiro Al Capone até que um dia a polícia me pegou no alto do morro e ai eu pude sentir na pele o que era viver aquela loucura.
   Eu tinha ido lá em cima buscar algo para o dono da boca na casa onde eram embaladas as drogas, e quando eu estava entrando no quintal a polícia apareceu do nada, vários policiais gritando perdeu, perdeu vagabundo, deita no chão. Nesse momento eu desejei que aquilo fosse um sonho, por que eu já sabia muito bem pelo que eu iria passar, eu estava ali de bode expiatório na hora e no lugar errados, não tinha explicação para estar entrando naquela casa, mas de duas coisas eu tinha certeza, que não poderia jamais entregar ninguém e de que eu iria apanhar feio.
  Foram horas de espancamento e tortura, tive o desprazer de conhecer o famoso "saco" ( a pessoa é asfixiada com um saco plástico) tendo com isso desmaiado três vezes. Eles só queriam que eu caguetasse o dono da favela, até já sabiam os nomes ou apelidos, inclusive o meu, mas não sabiam que era eu. Eu sabia que se tivesse que morrer seria melhor morrer ali do que ser novamente espancado e arrastado pelas ruas da favela até a morte pelos meus próprios comparsas, pois caso eu os entregasse os próprios policiais me venderiam para eles como "X9.
  Então, após varias horas, quando eles se convenceram de eu não iria falar nada, até por que eu já não conseguia mais falar de tanta porrada, paulada, cabada de fuzil e ponta pés que tinha levado, eles desistiram e me mandaram embora. Estava desnorteado, nem me lembro do percurso de volta, mas de uma ciosa eu não esqueço jamais, do sentimento de ter nascido de novo e da decisão que eu tinha tomado, eu fui na mesma hora a procura do "patrão" e disse a ele que eu estava fora.
   Passei uma semana de cama para me recuperar,  tive muita febre pois estava todo arrebentado por dentro
mas logo estava de  pé de novo. Quando minha família me perguntou o que tinha acontecido eu falei que havia me envolvido em uma briga, mas pelo estado em que eu me encontrava era óbvio que não foi uma simples briga, a não ser que eu tivesse brigado com a torcida do flamengo, diziam eles.
  Mesmo após eu ter dito que não queria mas ser bandido foi difícil me afastar deles pois eu continuava a usar drogas e consequentemente eu sempre estava em contato com a bandidagem. Até hoje eu dou graças a Deus por ter saído a tempo, pois logo depois que me afastei houve uma onda de assassinatos onde morreram quase todos os garotos que tinham ingressado junto comigo no crime, todos eles com menos de dezessete anos. Não tenho dúvida de que eu teria sido morto também.
  Com o tempo aquilo tudo foi passando e eu tomei um novo rumo, arranjei um emprego em uma oficina e até voltei a estudar. Passei pela fase que até então eu acreditava ter sido a última fase ruim e a pior de todas que eu haveria de viver em toda a minha vida, claro que nada se compara a aquela noite de horror, mas eu ainda me perderia feio novamente e colocaria minha vida em risco incontáveis vezes mais.


    Sabemos que não é tarefa fácil a recuperação de um dependente químico, existem inúmeras barreiras que precisam ser superadas, e em muitos casos a falta de apoio e estrutura familiar são as primeiras e mais difíceis. Falando um pouco da doença da adicção, a primeira informação que tive quando resolvi procurar ajuda foi que, sozinho eu não conseguiria, tampouco sem aderir a um programa de recuperação.
    Existem muitas opções de tratamento e sugestões para se livrar da compulsão e obsessão em usar drogas
mas nenhuma delas tem efeito se não houver um desejo honesto e sincero da minha parte, só eu posso mas não posso sozinho, há quem possa me ajudar mas ninguém pode me fazer parar e encontrar uma nova maneira de viver, essa é minha responsabilidade.
   Por que estou falando isso? Uma vez que eu me descubro adicto não há mais nada a fazer a não ser assumir as consequências dessa realidade e agir para interromper minha auto destruição quando o que me falta perder é apenas a vida. Paguei um preço muito alto por ter seguido este caminho e agora minha vida se tornou uma busca obstinada e incansável para me recuperar e viver de maneira que faça compensar os quinze anos de coma profundo que passei usando drogas.
    O que quero dizer é que sempre há uma escolha que pode ser tomada a qualquer momento na vida de quem se envolveu com drogas, e quanto mais cedo a pessoa cair na real e livrar-se dessa ilusão, menos ira sofrer as consequências devastadoras e inevitáveis do uso prolongado. Como eu disse em minha primeira postagem, o intuito de escrever este blog é ajudar tanto quem está com sérios problemas com drogas quanto aqueles que estão inadvertidamente envolvendo-se com elas.
    Escrevendo sobre a minha vida fico pensando como teria sido bom se eu tivesse tido a chance de parar com isso bem lá atrás, o enredo dessa história seria muito diferente. Acredito que até tive essa chance, porém não tive o incentivo de alguém que se dispusesse a me ajudar de forma adequada e não simplesmente aqueles comentários do tipo; "olha você vai se dar mal se não parar com isso" ou pior; "estou te avisando mas se você não acredita é problema seu. 
    Isso não ajuda ninguém a tomar consciência dessa realidade, o uso de drogas gera negação, por isso é comum o dependente químico só pedir ajuda quando chega ao fundo do poço e não aguenta mais sofrer. 
    Não há nada que se possa fazer quando não há interesse da pessoa em ser ajudado, entretanto não se pode ser negligente ao notar que alguém amamos ou que simplesmente conhecemos dá sinais de que está envolvido com drogas. Um caminho que se pode tomar é buscar informação sobre o assunto e ter uma conversa franca com essa pessoa. Posteriormente convidá-lo a conhecer um local onde pessoas que chegaram ao fundo do poço se recuperam, para que ela possa ouvir os relatos assustadores daqueles que tiveram que perder tudo para aceitar que nunca valeu a pena usar drogas seja qual fosse o motivo.
   Isso certamente fará com que essa pessoa repense seu uso de drogas e poderá livrá-la de um grande sofrimento futuro. Cabe a nós não fecharmos os olhos para esse problema quando ele aparece, pois em muitos casos a ajuda chega tarde demais. 



 

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Rio, "cidade maravilhosa"

        O ingresso no mundo das drogas

  Chegando ao Rio de Janeiro tive a sensação de que minha vida iria mudar, e realmente mudou, comecei a trabalhar na obra de reforma do prédio onde a oficina funcionaria. Rápida-
mente fiz muitas amizades das quais a maioria não eram nada saudáveis, principalmente os peões da obra  com os quais passei a andar sempre. Com isso comecei a beber com regulari- 
dade, comprar maços de cigarros, frequentar casas de prostituição (inclusive minha primeira
relação sexual foi com uma prostituta paga por meu pai nessa época) e o barzinho que ficava
de frente para a oficina tornou-se o point de todas as noites.
  Claro que nessa época eu não bebia todos os dias, porém já preferia ficar dentro do bar de papo furado do que fazer qualquer outra coisa e com isso acabei conhecendo todos os seus
frequentadores e seus hábitos ilícitos, digamos assim.
  Meu trabalho ficava num bairro chamado Usina, na Tijuca, mesmo bairro onde se situa o 
famoso morro do Borel, e a oficina ficava praticamente de frente para o morro. Era chegada
a hora de eu conhecer a substância que iria devastar a minha vida.
  O ano era de 1999 e eu acabara de completar 16 anos. Diferente da maioria das pessoas que se envolveram com drogas eu não tive a passagem pelas chamadas "drogas leves", até mesmo antes usar cheguei a guardar uma boa quantidade de cocaína para um cara que trabalhava em uma padaria que ficava ao lado da oficina. Certo dia um primo meu de São Paulo veio passear no Rio e ficou no alojamento da oficina onde eu e meu pai morávamos junto com alguns funcionários que também eram de São Paulo . Eu sabia que esse meu primo usava cocaína mas nunca tinha falado sobre isso com ele, porém nesse dia eu resolvi fazer uma surpresa para ele.
   Havia nesse barzinho que eu frequentava, um aviãozinho que buscava drogas para todos ali, o tempo todo, então eu o chamei e pedi que ele comprasse um pouco de cocaína para meu primo, ele chegou a se negar pelo fato de conhecer meu pai e de saber que eu não usava, entretanto no mundo das drogas não existe consciência ou consideração e quando eu lhe mostrei o dinheiro, imediatamente ele partiu para buscar.
   E foi nesse dia que eu experimentei aquela que iria me acompanhar por 15 anos da minha vida. Como muito se ouve falar, foi amor a primeira usada, eu simplesmente me encantei com aquela sensação de poder eufórico e grandiosidade, nada mais era tão legal e divertido do que cheirar aquela porcaria.
  Como se sabe, naquele momento inicial eu jamais poderia suspeitar que naquele inofensivo
saquinho se escondia a mais solitária das prisões que o ser humano pode se encontrar; a dependência química.
 Ainda levaria um bom tempo pra eu ter algum tipo de problema com minha "amada amiga",
porém a obsessão e a compulsão já estava em processo progressivo e sem perceber eu aumentava a quantidade e a frequência do uso, adoecendo lentamente.
  E assim foi, naquele ano em que eu sentia que a vida mudaria eu estava certo, pena que não foi da forma que eu imaginava, eu tinha feito a pior escolha da minha vida, meu destino estava traçado!


terça-feira, 20 de maio de 2014

UM POUCO DA MINHA HISTÓRIA

             Pra mim, onde tudo começou


     Desde criança me acostumei a burlar as regras, pois não tive uma família que me desse atenção e principalmente instrução. Criado em um ambiente nada saudável onde a presença  de bebida alcoólica era constante, tornou-se natural os episódios de bebedeiras de meu pai e seus amigos. As brigas entre meus pais também eram comuns, sempre muito agressivas e assustadoras, decorrentes do abuso de álcool e algumas vezes, estupidez apenas.
    Cresci sem referência nenhuma e de certa forma fazia apenas o que queria, tanto que com treze anos decidi não ir mais a escola após minha mãe me dizer que não iria mais me obrigar 
 a estudar, que se eu quisesse ser lixeiro era problema meu.
    E assim foi a minha infância, nada diferente de outras onde o lar é invadido pelo álcool e formado por pais negligentes; cenas de violência, espancamentos, constantes mudanças de endereço e abandono.
    Aos poucos fui me tornando aquilo que eu não era; rebelde e inconsequente. Meu primeiro porre foi aos doze ou treze anos, depois disso me habituei a sempre dar uns golinhos no copo de cerveja do meu pai, dentro de bares e em casa mesmo, e o que é pior, ele se divertia com isso. Houve muitos outros problemas que não é difícil de se imaginar quando o cenário em que se vive é como esse que descrevi, porém, nessa época eu nem se quer podia imaginar o que o futuro me reservava.
   Quando eu tinha de treze pra quatorze anos meus pais se separaram e eu vim para o rio de janeiro com minha mãe, minha irmã mais velha e a caçula recém nascida. Fomos morar em uma casa no quintal do meu avô no município de belford roxo. 
    Moravam no mesmo quintal também minhas três tias e meu avô é claro. Todos já sabiam da minha fama de rebeldia e não demorou muito para eu começar a criar problemas. Não ia    a escola, não fazia nada além de ficar na rua, é claro, sem a permissão de minha mãe e contra as regras que me haviam sido impostas.
   Naturalmente com o tempo minha presença naquele quintal foi se tornando indesejada, e após vários transtornos que causei tive que me mudar pra casa da minha avó paterna que vivia em condições muito precárias. Após algum tempo fui para a casa de uma tia de minha mãe em Casimiro de Abreu onde passei pouco tempo e retornei para São Paulo para morar com outra tia. E foi certamente quando eu voltei para São Paulo que comecei a me perder de verdade, pois foi um período em que eu me encontrei completamente desamparado e sem destino. Solto de vez no mundo comecei a ter contato com todo tipo de gente, comecei a beber de verdade, fumar cigarros  e a fazer tudo errado, motivo pelo qual não passava muito  tempo em lugar nenhum, pois minhas tias ficavam cansadas de mim e me expulsavam de casa. E lá ia eu bater na porta de outra tia pedindo ajuda, prometendo melhorar.
   Isso se repetiu inúmeras vezes, fui de casa em casa de parentes por bastante tempo, cheguei a morar um tempo com meu pai também, mas nunca tivemos uma boa relação. Não    me lembro em quantas casas morei ao certo, só sei que quando não tinha mais ninguém que quisesse me acolher meu pai que na época tinha vindo para o Rio de Janeiro me convidou para trabalhar com ele em uma oficina de autos que estava para abrir no bairro da Tijuca zona norte do Rio. 
    Eu estava então com quinze anos de idade, já conhecia bem tudo o que não prestava e por mais que nunca tivesse usado drogas já havia tido contato com quase todas. Então sem opção  aceitei a oferta de meu pai e retornei ao Rio para trabalhar pela primeira vez em minha vida.



Olá queridos amigos!
Desculpem o tempo sem postagens, gostaria de ter mantido frequência mas infelizmente andei recaído e não tive condições de escrever nem uma linha. Mas graças a Deus consegui interromper o uso e voltar aos meus projetos. Muita coisa aconteceu nesses dias que fiquei sem postar, mais uma vez quase pus tudo perder e por pouco não consegui, mas pretendo contar tudo a vocês mais tarde. Quero agradecer todas as visualizações que tive na primeira postagem, realmente fiquei muito feliz. Para dar sequência a este trabalho, gostaria de lhes contar um pouco da minha história antes de chegarmos até os dias atuais, acho que seria interessante que todos soubessem o quão perdido andei e por quantas dificuldades passei para enfim enxergar que estava numa rota de colisão e ter a sorte de encontrar com pessoas que se dispuseram a me ajudar.