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terça-feira, 27 de maio de 2014

De mocinho a vilão

                            
                         Enfim, a completa escuridão
                                                                    (2002/2003)

    No começo de 2002 eu ainda era, pelo menos para meus pais, um garoto que só precisava ter mais responsabilidade. Eu havia passado de ano no colégio, não sei como, só que não quis mais continuar estudando, não tinha mais espaço para estudos dentro da loucura que eu estava vivendo. Ainda mais nesse novo emprego onde todos consumiam drogas antes, durante e depois do expediente.

    Era uma loucura só aquele galpão, a começar pelo dono, um cara desequilibrado e insano que roubava qualquer coisa que estivesse dando bobeira, onde quer que fosse. Quando eu digo qualquer coisa, é qualquer coisa mesmo. Um dia eu estava com ela em uma padaria e sem que eu menos esperasse ele enfiou um pacote de biscoito no bolso, pagou a conta e fomos embora.

    Eu achava aquilo tão estranho que preferia fazer de conta que não via, pra mim ele era muito doente, pois o biscoito ficou em cima da mesa por semanas até estragar. Eu sabia quando ele tinha usado alguma coisa quando ele chegava da rua e varria o galpão inteiro. Os
outros funcionários não ficavam pra trás, a cachaça rolava o dia inteiro, e como eu era novo lá
e eles não sabiam nada da minha vida, cheiravam cocaína escondido para que eu não visse.

    Mas não demorou muito para que eu me abrisse com eles a fim de poder usar drogas durante o trabalho também, e para o meu azar eles concordaram. A partir dai que comecei oficialmente minha auto-destruição,
até cachaça pura, que eu achava um absurdo alguém beber, passei a consumir consumir com a maior naturalidade. Já não sabia mais quem eu era, havia perdido minha identidade.

    O tempo foi passando e eu fui de mal a pior, não comprava mais nem um par de meias pra mim, meu  dinheiro era única e exclusivamente para a cocaína. Não ia mais pra casa nas sextas-feiras, e muitas vezes
só aparecia no domingo de manhã, sem mais nenhum centavo no bolso, todo sujo, parecendo um zumbi. Mas infelizmente eu estava longe de aceitar que estava com um problema sério, sempre dizendo para mim
mesmo que iria dar um tempo, ou que ia ficar mais devagar, só que na prática acontecia o inverso.

   Por algumas vezes eu cheguei a sair do emprego por que a situação estava insustentável tanto em casa como no próprio trabalho, eu não tinha mais desculpas para dar em casa sobre as várias noites fora de casa e o dinheiro que nunca aparecia, nem tinha mais forças para trabalhar. As sucessivas noites sem dormir me me exauriam toda energia  impedindo-me de produzir, causando muitos problemas com meu patrão louco.

  Em outubro eu sai definitivamente de lá, não havia mais condições, todos estavam cansados de minhas mentiras e promessas vazias. Meu patrão, que já sabia de tudo resolveu piorar ainda mais a minha situação,
ligando para minha mãe e contanto que eu estava viciado em cocaína e, eu é claro, neguei tudo. Não havia como esconder meu vício, eu havia trabalhado quase um ano inteiro e não tinha nada, apenas um corpo sem
alma e um rosto desfigurado.

  Passei três meses em casa me recuperando, mas sempre que pintava algum dinheiro, ou eu bebia até cair ou comprava cocaína. No início de 2003, mais precisamente no fim de fevereiro, recebi uma ligação do maluco do meu ex-patrão dizendo que eu estava fazendo falta para ele, que havia se arrependido de ter me deixado ir e que gostaria que voltasse a trabalhar com ele de novo. Confesso que tentei dizer não, pois eu já sabia no que isso ia dar, mas por outro lado a vontade de ter dinheiro para usar, falou mais alto e eu aceitei.

 Desta vez, tanto eu quanto ele, iriamos nos arrepender amargamente de não ter acreditado que poderia ser 
pior do que havia sido da primeira vez. Nem preciso falar que a minha compulsão retornou dez vezes mais forte que antes e, já na primeira semana só apareci em casa no domingo de manhã. Esse seria o ano que eu
perderia quase todos os meus princípios e valores, me envolveria erradamente com a pessoa com quem mais tarde,  teria um filho feito sem amor e acabaria foragido do Rio de Janeiro.




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