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sábado, 24 de maio de 2014

Juventude desperdiçada

 Todos os meus sonhos se transformaram em pó
                                    (1999/2000/2001)           
      No final de 1999 eu ainda era um garoto um pouco normal, meus pais resolveram morar juntos outra vez e alugaram uma casa em Areia Branca, bairro de Belford Roxo, baixada  fluminense. Eu gostei disso pois pude ter uma família novamente, e também gostava do lugar onde morávamos, fiz até alguns amigos legais que inclusive não usavam drogas. Após algum tempo meu avô disse que queria dar uma casa para minha mãe e assim o fez, sendo que ele mesmo escolheu por conta própria onde compraria a casa.
    E o resultado disso não poderia ser pior, fomos morar em um bairro horrível chamado, talvez por pura ironia, de Bela Vista. Era uma favela com ruas de terra e lixo pra todo lado e a casa também não valia muita coisa. Eu odiei aquele lugar desde o primeiro dia e já no primeiro descobri onde era a boca de fumo e cheirei a noite inteira. Rapidamente conheci todos os vagabundos da área e passei a andar com eles o tempo
todo, eram bandidos de verdade e eu comecei a gostar daquela vida. 
    Em pouco tempo eu já estava envolvido com o tráfico, portando arma de fogo, vendendo drogas na boca de fumo e participando de todas as atividades do crime local. Estava mais do que perdido e correndo um grande risco de vida, todos os dias eu fazia a mesma coisa, acordava, tomava café, ia para o ponto de venda e lá passava todo o dia. Por inúmeras vezes passei perto de ser preso ou até mesmo morrer, mas ao invés de ficar com medo e sair fora eu acha aquilo demais, me sentia o verdadeiro Al Capone até que um dia a polícia me pegou no alto do morro e ai eu pude sentir na pele o que era viver aquela loucura.
   Eu tinha ido lá em cima buscar algo para o dono da boca na casa onde eram embaladas as drogas, e quando eu estava entrando no quintal a polícia apareceu do nada, vários policiais gritando perdeu, perdeu vagabundo, deita no chão. Nesse momento eu desejei que aquilo fosse um sonho, por que eu já sabia muito bem pelo que eu iria passar, eu estava ali de bode expiatório na hora e no lugar errados, não tinha explicação para estar entrando naquela casa, mas de duas coisas eu tinha certeza, que não poderia jamais entregar ninguém e de que eu iria apanhar feio.
  Foram horas de espancamento e tortura, tive o desprazer de conhecer o famoso "saco" ( a pessoa é asfixiada com um saco plástico) tendo com isso desmaiado três vezes. Eles só queriam que eu caguetasse o dono da favela, até já sabiam os nomes ou apelidos, inclusive o meu, mas não sabiam que era eu. Eu sabia que se tivesse que morrer seria melhor morrer ali do que ser novamente espancado e arrastado pelas ruas da favela até a morte pelos meus próprios comparsas, pois caso eu os entregasse os próprios policiais me venderiam para eles como "X9.
  Então, após varias horas, quando eles se convenceram de eu não iria falar nada, até por que eu já não conseguia mais falar de tanta porrada, paulada, cabada de fuzil e ponta pés que tinha levado, eles desistiram e me mandaram embora. Estava desnorteado, nem me lembro do percurso de volta, mas de uma ciosa eu não esqueço jamais, do sentimento de ter nascido de novo e da decisão que eu tinha tomado, eu fui na mesma hora a procura do "patrão" e disse a ele que eu estava fora.
   Passei uma semana de cama para me recuperar,  tive muita febre pois estava todo arrebentado por dentro
mas logo estava de  pé de novo. Quando minha família me perguntou o que tinha acontecido eu falei que havia me envolvido em uma briga, mas pelo estado em que eu me encontrava era óbvio que não foi uma simples briga, a não ser que eu tivesse brigado com a torcida do flamengo, diziam eles.
  Mesmo após eu ter dito que não queria mas ser bandido foi difícil me afastar deles pois eu continuava a usar drogas e consequentemente eu sempre estava em contato com a bandidagem. Até hoje eu dou graças a Deus por ter saído a tempo, pois logo depois que me afastei houve uma onda de assassinatos onde morreram quase todos os garotos que tinham ingressado junto comigo no crime, todos eles com menos de dezessete anos. Não tenho dúvida de que eu teria sido morto também.
  Com o tempo aquilo tudo foi passando e eu tomei um novo rumo, arranjei um emprego em uma oficina e até voltei a estudar. Passei pela fase que até então eu acreditava ter sido a última fase ruim e a pior de todas que eu haveria de viver em toda a minha vida, claro que nada se compara a aquela noite de horror, mas eu ainda me perderia feio novamente e colocaria minha vida em risco incontáveis vezes mais.


    Sabemos que não é tarefa fácil a recuperação de um dependente químico, existem inúmeras barreiras que precisam ser superadas, e em muitos casos a falta de apoio e estrutura familiar são as primeiras e mais difíceis. Falando um pouco da doença da adicção, a primeira informação que tive quando resolvi procurar ajuda foi que, sozinho eu não conseguiria, tampouco sem aderir a um programa de recuperação.
    Existem muitas opções de tratamento e sugestões para se livrar da compulsão e obsessão em usar drogas
mas nenhuma delas tem efeito se não houver um desejo honesto e sincero da minha parte, só eu posso mas não posso sozinho, há quem possa me ajudar mas ninguém pode me fazer parar e encontrar uma nova maneira de viver, essa é minha responsabilidade.
   Por que estou falando isso? Uma vez que eu me descubro adicto não há mais nada a fazer a não ser assumir as consequências dessa realidade e agir para interromper minha auto destruição quando o que me falta perder é apenas a vida. Paguei um preço muito alto por ter seguido este caminho e agora minha vida se tornou uma busca obstinada e incansável para me recuperar e viver de maneira que faça compensar os quinze anos de coma profundo que passei usando drogas.
    O que quero dizer é que sempre há uma escolha que pode ser tomada a qualquer momento na vida de quem se envolveu com drogas, e quanto mais cedo a pessoa cair na real e livrar-se dessa ilusão, menos ira sofrer as consequências devastadoras e inevitáveis do uso prolongado. Como eu disse em minha primeira postagem, o intuito de escrever este blog é ajudar tanto quem está com sérios problemas com drogas quanto aqueles que estão inadvertidamente envolvendo-se com elas.
    Escrevendo sobre a minha vida fico pensando como teria sido bom se eu tivesse tido a chance de parar com isso bem lá atrás, o enredo dessa história seria muito diferente. Acredito que até tive essa chance, porém não tive o incentivo de alguém que se dispusesse a me ajudar de forma adequada e não simplesmente aqueles comentários do tipo; "olha você vai se dar mal se não parar com isso" ou pior; "estou te avisando mas se você não acredita é problema seu. 
    Isso não ajuda ninguém a tomar consciência dessa realidade, o uso de drogas gera negação, por isso é comum o dependente químico só pedir ajuda quando chega ao fundo do poço e não aguenta mais sofrer. 
    Não há nada que se possa fazer quando não há interesse da pessoa em ser ajudado, entretanto não se pode ser negligente ao notar que alguém amamos ou que simplesmente conhecemos dá sinais de que está envolvido com drogas. Um caminho que se pode tomar é buscar informação sobre o assunto e ter uma conversa franca com essa pessoa. Posteriormente convidá-lo a conhecer um local onde pessoas que chegaram ao fundo do poço se recuperam, para que ela possa ouvir os relatos assustadores daqueles que tiveram que perder tudo para aceitar que nunca valeu a pena usar drogas seja qual fosse o motivo.
   Isso certamente fará com que essa pessoa repense seu uso de drogas e poderá livrá-la de um grande sofrimento futuro. Cabe a nós não fecharmos os olhos para esse problema quando ele aparece, pois em muitos casos a ajuda chega tarde demais. 



 

2 comentários:

  1. Amigo...infelizmente o que determina a recuperação de um adicto é ele acordar o famoso despertar espiritual...você poderia ter tido a ajuda adequada, ter ouvido o que realmente precisava porém se você não estivesse com a mente aberta NADA do que lhe dissessem e nenhuma mão estendida iria adiantar...como você disse..somente quando VOCÊ escolheu, foi que você começou a trilhar esse caminho...infelizmente a doença da adicção é a do autoengano...como nome do seu blog a mente mente...e mente mesmo..pra caralho...não só pro adicto mais pros codependentes...leva a mensagem pois alguém poderá despertar ao ler...mas não crie expectativas...pelo próprio bem da sua recuperação...o que vale é que AGORA VOCÊ PODE SER FELIZ..e não há nada mais emocionante do que a busca pela nossa identidade...tmj

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    1. Olá Kel, como vai, tudo bem? Primeiramente quero agradecer por prestigiar meu trabalho, estou realmente feliz com isso. Concordo com vc quando diz que sem esse famoso despertar espiritual é impossível livrar-se disso. Mas por outro lado acredito que um auxílio, por mais sutil que seja pode fazer sim a diferença na vida de um adicto. De forma inteligente se pode tocar a sensibilidade adormecida de um dependente químico, trazendo-o com paciência para cada vez mais próximo de sua recuperação. Não é um trabalho fácil, porém não há nada com que o amor não possa. Digo isso não por achar mas eu vivo isso, essa é minha vida, é por isso que eu estou conseguindo. Em determinada parte da minha história você ira constatar o que estou lhe dizendo. Obrigado pela força e incentivo, sem pessoas como você isso não seria a mesma coisa. Um grande abraço e continue voltando!

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