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quarta-feira, 28 de maio de 2014

a descida pelo poço

                Não há o que a droga não tire de você
                                         (2003)
  
    Naquele ano, acredito ter sido quando a cocaína me roubou o que faria dela soberana em minha vida, minha dignidade, minha honestidade e meu caráter. Já não importava mais o que as pessoas pensariam a meu respeito, já não respeitava mais ninguém e já não esperava mais nada da vida. Sem perceber me tornei uma máquina de usar drogas que passava por cima de tudo e de todos que se pusessem no meu caminho, sem medo, sem vida e sem amor.

   Voltar a trabalhar naquele galpão me custou tudo isso e mais um pouco, pois até as poucas pessoas boas que ainda me restavam perder foram se afastando, uma após a outra. Hoje sei que na verdade quem se afastou foi eu, mas na época, a confusão mental que a droga causava, me fazia acreditar que elas não eram tão boas assim, pois se tinham me abandonado era por que nunca gostaram realmente de mim. Então, solitário e desorientado me tornei uma marionete nas garras da cocaína.

   Esse foi sem dúvida o primeiro ano de sofrimento causado pela droga que eu já tinha vivido.Até a fase em que eu quase morri no tráfico parecia ter sido menos dolorosa. Não tinha mais vontade de parar, estava cego, obstinado, tinha que usar a qualquer custo e isso, mal sabia eu, não teria limites. Passei por muitos momentos de perigo dentro de bocas de fumo, chegava a passar três, quatro noites direto no interior de uma favela, cheirando e perambulando pelos becos completamente alucinado.

   No meio do ano, mais ou menos em julho ou agosto, conheci uma garota, que morava perto da minha casa e comecei a sair com ela, após algumas semanas estávamos namorando. Foi uma tentativa minha de diminuir o uso, por que eu estava sofrendo, mais nem pensava em parar, eu acreditava que namorando eu conseguiria manter o controle sobre a droga. Mera ilusão, nunca aparecia na casa dela quando marcava e quando ia era pra dormir. Nunca tinha dinheiro para sair com ela, sem presentes, sem flores, sem nada.

  Ainda assim ela quis ficar comigo, mesmo quando todos sabiam o que eu fazia, inclusiva ela própria,e eu, 
como não tinha nada a perder continuei fingindo que nem era comigo. Esse "namoro" ainda duraria tempo suficiente para eu cometer a irresponsabilidade de por uma criança no mundo, sabendo que não tinha condições de cuidar nem de mim e sem amar aquela mulher. Mas isso só aconteceria três anos depois, nesse meio tempo, ficamos mais de um ano separados, pois no fim desse ano eu aprontaria uma boa.
  
   Lá no galpão a situação continuava a mesma, eu nunca tinha dinheiro pra receber no fim do mês, muitas vezes já estava até devendo ao patrão de tantos vales que eu pegava durante a semana. Mas teve uma época em que ele não quis mais me dar vales, pois sempre que dava eu não ia trabalhar no dia seguinte. Isso foi o fator predominante para eu começar a fazer cagadas como vender pequenas ferramenta e objetos da fábrica. No começo eu achava que aquilo não me traria nenhum problema, pois era tanta gente trabalhando no mesmo lugar que se dessem falta de algo não teriam como me acusar de nada.

  Com o passar do tempo eu me habituei a cometer pequenos furtos, se tornou uma coisa natural pra mim, já fazia por hábito mesmo. Até que um dia, eu peguei uma furadeira e fui pra favela vender, quando de repente
um funcionário da fábrica que morava lá me viu oferecendo a máquina. Ele veio até a mim e perguntou onde eu tinha arrumado aquilo e eu disse que um viciado tinha me pedido para vender e que dividiria o dinheiro comigo. Claro que ele não caiu nessa e no dia seguinte meu patrão já estava sabendo.

  Ao contrário do que eu pensava ele só me disse que descontaria do meu salário e, que se eu fizesse isso novamente ele me mataria. No começo eu até fiquei com medo, mas logo logo voltaria a roubar novamente, 
sempre na parte da tarde, quando já tinha tomado um monte de cachaça e a fissura batia forte. Contudo não demoraria muito para eu cometer minha primeira burrada(após ter experimentado drogas é claro) que me custaria caro, melhor dizendo, que me obrigaria a fugir pra não morrer ou coisa assim.

  

4 comentários:

  1. Heleno, você conta sua história como se fosse um capítulo de um livro. A gente não quer parar de ler, pra saber o que vai acontecer depois.
    (http://recuperacaoepossivel.blogspot.com.br/)

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    1. Oi J.L. como vai tudo bem? Obrigado pelo prestigio, é muito gratificante receber a admiração das pessoas. Aproveitando seu comentário, essa é uma história onde aconteceram muitas reviravoltas, passei pelas mais diversas situações e por muitas vezes quase perdi a oportunidade de estar contando ela agora. Por isso vale a pena acompanhar, pois não vou deixar de contar nenhum detalhe, por mais triste e constrangedor que seja falar será preciso, por que só assim esse trabalho terá o impacto que desejo, principalmente naqueles que ainda não usaram drogas. Obrigado e continue voltando!!!

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  2. Boa tarde Heleno , Eu queria matar uma curiosidade . Vc acha que a maconha é a porta de entrada p outras drogas ? Que o Espirito Consolador esteja com vc e te de forças nessa caminhada . Pq só ele consegue nos tirar da escuridão !! Uma abraço

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    1. Olá Fernanda, como vai? Acho super pertinente sua pergunta até por que, essa é uma questão muito discutida nos dias de hoje. Primeiro quero lhe dizer que na minha opinião,se existe uma porta de entrada para as outra drogas, essa porta é o álcool e até o cigarro que também são duas drogas que causam tantas mortes e problemas familiares quanto as outras. Então, no meu ponto de vista, esta suposta porta de entrada é aberta quado o jovem ou a pessoa em questão, não tem acesso a informação necessária para formar uma opinião crítica e racional sobre o assunto.Na sociedade atual, o culto às famosas baladas, à bebedeira,à indução ao uso do que chamam estupidamente de "drogas leves" faz com que muitos não pensem bem antes de aderir esses hábitos. Por isso, tudo me leva a crer que a porta de entrada para as drogas é mais uma questão cultural do que fato de experimentar isso ou aquilo. A boa mesmo é ser saudável, lembrando sempre que droga é tudo aquilo que intoxica seu corpo, altera mesmo que minimamente seu humor e sua mente e que causa qualquer tipo de dependência.
      Pra se divertir basta saber o que te faz feliz de verdade e não aquilo que todos estão fazendo. Leve essa mensagem sempre com você. Um grande abraço!

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