1 dose é pouco, 1.000 não bastam
Aquele foi realmente o ano em
que perdi completamente o rumo da minha vida. Tudo parecia não existir mais,
apenas a droga. Nada era real, nem mesmo eu, pelo menos em minha mente.
Já não sabia mais quem eu era fazia tempo, então passei a ser
um personagem da vida real no mundo ilusório das drogas. Não tinha mais
personalidade, opinião, ou ideais como, ainda que pouco, tinha na minha adolescência.
Completamente influenciável, concordava com qualquer pessoa
que passasse seu ponto de vista da vida, e assim, tomava aquilo como verdade.
Até que ouvisse uma outra opinião diferente daquela, e então, tomava esta passa
mim.
É doloroso demais lembrar do processo da minha alma se esvaziando aos poucos, papelote após papelote, garrafa após garrafa, dia após dia. Eu era muito jovem e ao invés de conhecer a vida e evoluir, eu regredia progressivamente, perdendo contato com tudo que era da minha natureza.
Continuei
na loucura de trabalhar naquele galpão, com um único desejo e motivo que me
fazia levantar todas as manhãs, era a forma garantida de usar cocaína, ir
trabalhar.
Sem moral nenhuma, onde quer que eu fosse, continuei como se aquilo não tivesse mais como ficar pior. A solidão e o desespero me levavam a perder cada vez mais o contato com a realidade. Meu único conforto e refúgio passou a ser, viver numa realidade que só existia na minha cabeça, minha companheira inseparável, ilusão.
Contudo, a vida ia mesmo de mal a pior, e eu não podia perceber, mas a minha condição me levava a agir tomado pela revolta de não poder ser quem eu queria ser. Cada vez mais, atitudes desprovidas de virtude caracterizavam a minha personalidade.
E é óbvio, toda ação, tem uma reação. Não tinha como meu futuro não me reservar, o que me reservou. Abandonei família, amigos, sonhos, a vida, abandonei a mim mesmo. E o que é pior, o sofrimento estava apenas começando.
No final de 2003 eu tinha feito um inferno naquele galpão, nem mesmo os outros funcionários, que eram tão adictos quanto eu, me suportavam mais, por conta da irresponsabilidade e do mal caratismo que me dominavam.
Passei a beber cachaça(porque era barato e eu nunca tinha dinheiro) logo de manhã para entrar no trabalho, pois já não conseguia encarar aquilo, nem por um minuto, de cara limpa.
Como todo dinheiro iam para as drogas, quase não ia mais para casa, porque todo o dinheiro, incluía também o da passagem de ônibus. Passei então a pular o muro do galpão, de madrugada para dormir dentro das lanchas.
Sem saber, estava abrindo portas para praticar atos ainda piores, ou simplesmente em maior proporção. Foi numa dessas noites em que eu resolvi dormir no galpão, que eu perdi totalmente o controle sobre a compulsão, a noção de limite, e consequentemente o direito de morar onde eu morava.
Era uma madrugada de sábado, como sempre, após consumir todo o meu dinheiro em drogas, fui dormir no galpão. Mas nesse dia, estava muito fissurado e tomei a trágica decisão de entrar pela janela, na parte onde ficavam as ferramentas, e pegar alguma coisa para vender. E assim o fiz, peguei uma pequena máquina e fui para a favela vender. Vendida a ferramenta(a preço de banana, é claro) o que consegui não durou muito, e eu logo estava fissurado novamente.
Foi ai que fiz minha primeira loucura motivado pela compulsão. Retornei ao galpão, só que dessa vez eu não pretendia mais trabalhar lá, e o resultado, foi uma grande insanidade. Ao entrar novamente no galpão, peguei uma mochila que encontrei jogada, e juntei todas as máquinas mais caras que haviam lá.
Passei cinco dias vendendo as máquinas e usando drogas, sem dar notícias em casa, até porque eu sabia que a coisa ficaria feia para o meu lado. E realmente ficou, o meu patrão estava me procurando por todos os lugares. Tinha ligado para a minha casa, e dito para a minha mãe que eu iria para a cadeia, pois a empresa dele estava parada, após o filho dela ter roubado todas as ferramentas de lá.
Este
foi o desfecho do meu trágico retorno aquele galpão, depois disso minha vida
seria uma constante incerteza, com saídas cada vez mais estreitas.
Enquanto isso...
Olá queridos amigos! Como eu anunciei anteriormente decidi compartilhar um pouco do que estou vivendo atualmente. Inicialmente eu pretendia deixar isso para depois que eu acabasse de contar toda a minha história, só que essa viajem ao passado esta me trazendo mais lembranças do que eu imaginava que pudesse ter. Com isso notei que ainda teremos muitas postagens desse relato, uma vez que ainda restam onze anos para serem escritos nessas páginas.
Então, atualmente como é comum dizer no meio de recuperação, estou vivendo um dia de cada vez, procurando não me afastar dessa atmosfera que criei para me proteger de uma sempre possível recaída. Eu e minha namorada até um mês e meio atrás morávamos no bairro do Jardim Botânico, zona sul do Rio. Morávamos por que? Ainda estamos juntos, só que depois que sai da minha última internação e voltar pra casa tive uma recaída e não estava conseguindo ficar limpo por mais de dois ou três dias.
No tempo que fiquei internado conheci uma grande pessoa, que trabalhou por um tempo na clínica eu que eu fiquei. Seu nome é Rodrigo e ele é psicólogo, entre tantas conversas que tivemos um dia ele me falou sobre um lugar que ele tinha visitado, onde eu poderia ter uma experiência positiva na busca de me livrar das drogas. O lugar é um centro religioso que fica em Teresópolis, região serrana do Rio de janeiro.
Então foi quando, pós ter recaído resolvi conhecer essa igreja e, simplesmente adorei, tanto o centro religioso quanto a cidade. Mas isso não foi suficiente para eu parar de usar, continuei recaído por algumas semanas até que, quando vimos que alguma atitude teria que ser tomada e rápido, se não eu iria me matar( mais tarde vocês saberão por que) dentro dos próximos dias, resolvemos procurar um lugar pra eu ficar longe da cidade do Rio de Janeiro.
Lembramos que tínhamos amado Teresópolis e resolvemos alugar um conjugado aqui, pois é onde eu me encontro morando atualmente a um mês e meio. Foi uma fuga geográfica? Foi, só que com uma diferença das outras tentativas de ficar limpo, desta vez eu tomei uma decisão, fiz a escolha que eu nunca tinha feito; assumir a responsabilidade pela minha recuperação. Agora eu não escolho mais como quero me recuperar, simplesmente faço tudo que tenho que fazer, até o que eu não gosto de fazer ou, pelo menos não gostava.
Essa é a minha realidade atual, respirar recuperação é meu novo lema, um dia de cada vez focado apenas no passo que estou dando nesse momento. Aos poucos o que parecia impossível vem se tornando possível, não sinto mais o desejo de usar drogas e, o que é tão bom quanto isso, estou encontrando uma nova maneira de viver. Obrigado a todos!